FINAIS DE VIDA PRECOCES: Estudo paleopatológico (macroscópico, microscópico e documental) das causas de morte infantis com especial interesse na porosidade extracortical

Abstract

As elevadas taxas de morbimortalidade feto-infanto-juvenis têm representado ao longo dos tempos um flagelo angustiante em sociedades de todo o mundo, influenciadas por mudanças socioeconómicas, políticas, demográficas, ideológicas, epidemiológicas e/ou nutricionais de repercussão significativa na epistemologia e holística da infância. A Península Ibérica sobressai como uma das regiões europeias com maior número de óbitos até as últimas décadas do século XX. A Medicina e a Historiografia tiveram um papel preponderante na ênfase da figura infantil enquanto objeto científico individualizada do adulto, ativa e útil na sociedade, porém negligenciada noutras disciplinas como a Bioarqueologia ou a Paleopatologia. A vulnerabilidade biológica acrescida, comparativamente aos adultos, torna as crianças indivíduos propensos a toda uma miríade de condições patológicas, mas as suas manifestações ósseas costumam ser limitadas, inespecíficas, pouco chamativas ou até inexistentes. Esta investigação visa contribuir a figura infantil de forma multidisciplinar e transecular, recorrendo a uma abordagem osteológica macro e microscópica com o intuito de procurar se existem diferenças estruturais entre o osso subperiosteal neoformado e a porosidade extracortical que poderão distinguir entre crescimento normal e situações causadas por doença, assim como através do conhecimento historiográfico feto-infanto-infantil fornecido na Europa e, particularmente, em Portugal e Espanha. Quatro séries osteológicas, uma identificada – San José (Granada, sécs. XIX-XXI) – e três arqueológicas – Convento das Trinitarias descalzas (cidade de Madrid, sécs. XVIII-XIX), Igreja de Santo Domingo de Silos, Prádena del Rincón (aldeia da província de Madrid, sécs. XII-XVII) e Santa Maria do(s) Olival(is), Tomar (Portugal, sécs. XIII-XVII) – foram avaliadas em termos paleobiológicos, morfométricos e paleopatológicos. Os oito séculos de história peninsular abarcados englobaram 389 esqueletos estudados em laboratório (ou 515, considerando a informação métrica e dentária anotada durante a escavação nas Trinitárias descalzas) de indivíduos menores de 6 anos de idade. Considerando a série identificada de San José como conjunto osteológico controlo, procedeu-se: 1) à avaliação do grau de precisão dos métodos utilizados na estimativa de idade à morte feto-infantil; 2) ao confronto dos perfis de crescimento a partir da erupção e desenvolvimento dentários, e dos comprimentos de úmeros, fémures e tíbias; 3) à descrição pormenorizada da microestrutura da camada óssea extracortical, diferenciando os crescimentos fisiológicos dos patológicos; e 4) realização de diagnósticos diferenciais nas quatro séries analisadas, com base nas suas características das lesões, distribuição esquelética e procedimentos estatísticos para os casos com causas de morte registadas. O exame microscópico envolveu 1135 ossos entre observações estereoscópicas óticas e eletrónicas de varrimento. Para a série das Trinitárias também foi possível acrescentar um estudo radiográfico e tomográfico ósseo. Os resultados apontam que o comprimento ósseo é um bom proxy da idade à morte. No entanto, nos estádios perinatais é impossível saber se o nascimento ocorreu no final da gestação ou se foi prematuro. Nos indivíduos infanto-juvenis, dificulta perceber se os indivíduos morreram no momento do nascimento, além de provocar confusões acerca do grau e tipo de envolvimento do crescimento subperiosteal e da porosidade extracortical entre menores e maiores de 2 anos de idade. Os padrões de crescimento atribuem um pior estado de saúde à população citadina, indicando que durante os séculos XVIII-XIX o efeito da capitalidade foi mais pernicioso do que as condições de vida, em cidades pequenas ou aldeias, como seja Prádena del Rincón e Tomar. Em termos da estrutura dos depósitos neoformados, existem diferenças microscópicas fisiopatológicas induzidas por estados inflamatórios que desorganizam a direcionalidade das escamas ósseas e aumentam quer a densidade de poros, quer a inclinação das suas paredes. A presença de manifestações de origem patológica foi reportada em 49,10% (191/389) dos indivíduos avaliados, dos quais 6,28% (12/191) exibiam lesões compatíveis com diagnósticos diferenciais consistentes: raquitismo, otites e sífilis congénita. O restante 93,72% (179/191) dos indivíduos apresentavam indicadores inespecíficos de stresse (p.ex. crescimentos subperiosteais, lesões endocranianas, cribra femoralis), de etiologia impossível de diagnosticar. Nos casos em que se conservam as causas de morte, a relação doença-lesão é pouco significativa e mais complexa do que esperado. O conjunto de lesões reportadas nas séries osteológicas estudadas coincide com os três grupos de doenças mais representativos em paleopatologia: doenças metabólicas, infeções e traumatismos. Estas, no setor demográfico infantil, podem ver-se exacerbadas pela prematuridade, mas ainda não se dispõe de metodologias adequadas para determinar as mudanças ósseas desta condição. Contudo, salienta-se que as alterações ósseas observadas na série das Trinitárias descalzas são mais exuberantes do que outros casos publicados na área. Ao mesmo tempo, considera-se que os indivíduos com lesões visíveis no esqueleto tiveram uma sobrevivência acrescentada, tal como questionado pelo Paradoxo osteológico. Recomenda-se a observação não destrutiva do microscópio estereoscópico para futuras investigações que pretendam aprofundar o binómio saúde/doença em indivíduos de idade precoce, motivando novas linhas de investigação com foco na infância que implementem e melhorem a diferenciação patofisiológica das descontinuidades extracorticais observadas. xivAbstractHistory shows that the high rates of fetal, infant, and juvenile morbidity, just as mortality, are a concerning scourge in societies around the world. The Iberian Peninsula stood out as one of the European regions with the highest number of deaths until the last decades of the 20th century. These deaths were influenced by socioeconomic, political, demographic, ideological, epidemiological, and nutritional changes. They also had a significant repercussion on the epistemology and holistic of childhood. Medicine and Historiography played a preponderant role in emphasizing the child figure as a scientific objectindividualized fromtheadult. Such assumptions on child-adult interaction were active and valuable in society yet neglected in other disciplines such a Bioarchaeology and Paleopathology. The increased biological vulnerability in comparison to adults, makes childrenprone to a whole myriad of pathological conditions, despite their bone manifestations are usually limited, nonspecific, not very conspicuous, or even non-existent.This research aims to contribute to the child figure in a multidisciplinary way, using macro and microscopic osteological approachesto look for structural differences between the subperiosteal new bone formation and the extracortical porosity to distinguish between normal and pathological bone growth. Also, this study presents an introductory chapterdescribing the fetal, infant, and juvenile historiographical knowledge in Europe and, particularly, in Portugal and Spain.An evaluation of four osteological series in palaeobiological, morphometric, and paleopathological terms is presented, such as, theSan José’s identified osteological collection (Granada, 19th-21stcenturies) and three archaeological series called the following: 1) Convento das Trinitarias descalzas(city of Madrid, 18th-19thcenturies); 2) Iglesia de Santo Domingo de Silos, in Prádena del Rincón(a village in the province of Madrid, 12th-17thcenturies); and 3) Santa Maria do Olival(is)inTomar(Portugal, 13th-17thcenturies). The eight centuries of peninsular history covered during this research encompassed 389 non-adult skeletons under six years of age studied in the laboratory (or 515, according to the metric and dental information noted during the excavation of Trinitárias descalzas). Considering the identified collection of San Joséas an osteological control set, it proceeded to: 1) the evaluation of the precision of the methods used in the estimation of the age atdeath of non-adults; 2) the comparison of the growth profiles from tooth eruption and its development, as well as the lengths of humerus, femurs, and tibiae; 3) the detailed description of the microstructure of the extracortical bone layer, xvdifferentiating both the physiological and pathological growths; and 4) the differential diagnoses of the four analyzed series, based on their lesion characteristics, the skeletal distribution, and the statistical procedures for cases with registered causes of death. The examination involved 1135bones between the optical stereoscopic and the scanning electron microscopeobservations. Moreover, it was also possible to add an imageology study regarding the Trinitáriasdescalzas series. The results show that bone length is a good proxy ofthe age atdeath. However, it is impossible to know if perinatal individuals were born premature or late during the pregnancy. Also, birth is controversial in infant and juvenile cohorts, in addition to some confusion with respect to the physiological or pathological natures of the subperiosteal growth andthe extracortical porosity occurring within children younger and older than the age of two. During the 18thand 19thcenturies, the growth patterns attributed a worse state of health to its urban population. This indicates that capitalurbanizationwas a strong andpernicious factor than the living conditions found in smaller and more rural locations, such asPrádena del Rincónand Tomar.In structural terms, the subperiosteal new bone deposits show microscopic pathophysiological differences induced by inflammatory states that jumble their directionality and increase the density of pores and the inclination of their walls. The presence of pathological manifestations was identified in 49.10% (191/389) of the individuals evaluated, of which 6.28% (12/191) had lesions compatible with consistent differential diagnoses: rickets, otitis, and congenital syphilis. The remaining 93.72% (179/191) of the individuals had nonspecific stress indicators (e.g., subperiosteal bone proliferation, endocranial lesions, cribra femoralis) with undiagnosable etiology. In cases where the causes of death remain, the disease-injury relationship is not significant and more complex than expected.The osteological injuries coincided with the three most representative diseases in Paleopathology: metabolic diseases, infections, and trauma. These, in the infantile demographic sector, can be seen exacerbated by prematurity, but there are still no adequate methodologies to determine the bone changes under this condition. However, the severity and extension of the bone lesions found in the Trinitárias descalzasseries are greater than those observed in previous paleopathological studies.At the same time, individuals with visible skeletal lesions tend to have increased survival, as statedby the Osteological Paradox. xviThe non-destructive observation offered by the stereoscopic microscope is necessary for future research that intends to deepen the health/disease binomial in early-age individuals, motivating new lines of investigation focused on childhood. It also implements and improves the pathophysiological differentiation of the extracortical discontinuities observed throughout this dissertation.