A mediação como alternativa de resolução de conflito entre adolescentes em medida socioeducativa de privação de liberdade

Abstract

O Brasil estabeleceu, na década de 1990, uma regulação democrática para garantia dos direitos da criança e do adolescente, isto é, um ordenamento jurídico projetado para a proteção integral destes sujeitos. Neste, instituiu um sistema de gerenciamento da infração praticada por adolescentes, conjugando responsabilização penal com prevalência de processos pedagógicos, nomeadamente as medidas socioeducativas. A despeito dos preceitos legais, o país apresenta alta taxa de reincidência infracional, sobretudo na medida de privação de liberdade. Isto põe em questão os processos desenvolvidos pelas instituições que acolhem esses adolescentes. O presente trabalho analisa um aspecto destas instituições: a conflitualidade entre os adolescentes, fazendo-o à luz da mediação. Busca-se compreender a mediação como modo alternativo de resolução de conflitos, por meio do estudo dos limites e das potencialidades na instituição. Trata-se um plano de investigação qualitativo, em que se conduziu estudo de caso em instituição localizada no Distrito Federal, região Centro-Oeste do Brasil. Realizaram-se 13 entrevistas e 2 grupos focais com adolescentes e trabalhadores, numa amostra intencional não probabilística. Procurou-se ainda mapear o funcionamento do Sistema Socioeducativo no Distrito Federal, bem como identificar na instituição os conflitos mais recorrentes entre os adolescentes e os mecanismos de resposta. Para identificar a tipologia destes conflitos, utilizou-se a pesquisa documental, examinando todas as ocorrências disciplinares da instituição no recorte de tempo de quatro meses. As orientações teóricas deste trabalho desenvolvem-se a partir da epistemologia da prisão e da abordagem sobre seu status na contemporaneidade; do conceito de adolescência e de aspectos relevantes deste fenômeno no Brasil; e das teorias sobre conflito e mediação, em especial a mediação restaurativa, possibilitadora de um outro olhar para o sistema de justiça. Constatou-se que o Sistema Socioeducativo do Distrito Federal está organizado em 15 unidades de atendimento em meio aberto, 5 unidades de semiliberdade e 8 unidades de internamento. Na instituição estudada, concentram-se 146 adolescentes, sendo 22 do sexo feminino. Identificou-se um total de 42 ocorrências disciplinares, sendo a agressão física o tipo mais recorrente. A prevalência de uma conflitualidade violenta entre os adolescentes – com alguma distinção entre as entrevistadas do sexo feminino, que também estabelecem relações de poder diferenciadas dentro da instituição –, é explicada com base nos conflitos extramuros, precedentes ao ingresso institucional. Já entre os profissionais que atuam nas instituições, há conflitos ideológicos e disputa de práticas profissionais. O espaço institucional apresenta-se cindido, com dificuldades de vínculos dialogais. O gerenciamento do conflito move-se a partir das relações de poder dos adolescentes, orientando-se na apartação e no isolamento, e operacionaliza uma micropenalidade atualizadora dos ritos de correção e punição. Trata-se, portanto, de uma gestão circunstancial e precária. A mediação neste contexto mostra sua potencialidade por gerar um espaço seguro para a manifestação e negociação das divergências, capaz de introduzir novas aprendizagens e alterar a escalabilidade dos conflitos. Por outro lado, tem como limites a dificuldade do papel neutral do mediador e o interesse institucional na mediação; a inexistência de formação específica neste domínio; as regras de convivência dos adolescentes; e o receio, por parte de alguns profissionais, de a mediação enquanto elemento de empoderamento ser prejudicial para o controle disciplinar.

and adolescents and assure their integral protection. By doing so, the government intended to manage the law offenses practiced by adolescents, combining criminal responsibilization with pedagogical processes – the so-called ‘socio-educative measures’ in Brazil. Despite such legislation, there is a high recidivism rate among Brazilian adolescents, especially those who have been deprived of liberty. This casts doubts on the activities of the young offender institutions. This study analyzes one crucial aspect of these institutions: the conflicts between adolescents. It aims to understand mediation as an alternative method of conflict resolution, observing the limits and potentialities of young offender institutions. A qualitative research was conducted which comprised a case study in one such institution located in the Federal District, Mid-Western region of Brazil. We conducted 13 interviews and two focus groups with young offenders and employees of the institution, who composed a purposeful and non-probabilistic sample. Also, we mapped the ‘socio-educative system’ for young offenders in the Federal District, and identified the most recurrent conflicts in the institution studied, as well as the mechanisms to deal with them. To classify the conflicts, a documentary research was done examining the record of discipline issues in the institution for four months. The theoretical guidelines of this work are: the epistemology of prison and its current status; the concept of adolescence and its relevant aspects in Brazil; and the theories about conflict and mediation, especially restorative mediation, which leads to a new perspective on the justice system. It was noted that the ‘socio-educative system’ of the Federal District is organized into 15 open units of care, 5 semi-open units, in which liberty is restricted, and 8 internment units, where the young offender is deprived of liberty. In the institution studied, there were 146 adolescents, 22 of them were females. There was record of 42 episodes of indiscipline in four months, most of them consisting of physical aggression. The prevalence of violence among adolescents is explained by the conflicts preceding their internment, in the territories where they come from. Conflicts among girls are different from those among boys, though they also develop power relations in the institution. The professional workers of the institutions also have ideological conflicts and dispute over practices, which hinders dialogue among them. Conflict resolution among the young offenders moves along the power relations and focuses on segregation and isolation, with circumstantial and precarious rules of correction and punishment. In this context, mediation potentially creates a safe space for the expression and negotiation of differences, making room for new learning and diminishing conflicts. On the other hand, thresholds for mediation are the mediator’s difficulty to play a neutral role, the institutional interest in mediation, the lack of specific training for the employees in this field, the rules of coexistence of the adolescents, and the fear expressed by some professionals that mediation could lead to empowerment and, consequently, hinder discipline control.