Impacto das dificuldades alimentares em crianças com incapacidade motora

Abstract

Introdução: As dificuldades alimentares são uma comorbilidade comum em crianças com incapacidade motora. Apesar de se desconhecer a sua prevalência, estima-se que ocorram em cerca de metade das crianças com alterações neurológicas, podendo condicionar a qualidade de vida destes doentes. Este estudo tem como objetivos avaliar a prevalência de dificuldades alimentares num grupo de crianças e adolescentes com incapacidade motora, associação a outras comorbilidades, impacto no estado nutricional e intervenção realizada.Métodos: Foi realizado um estudo exploratório, observacional e analítico de caso-controlo, com recurso a uma amostra de conveniência, constituída por doentes internados no Serviço de Pediatria Médica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, com preenchimento de questionário por médico (incluindo dados demográficos e clínicos), após obtenção de consentimento informado, entre dezembro de 2017 a março de 2018. Definiu-se como Grupo Caso crianças/adolescentes (0 – 17 anos) com incapacidade motora (alteração da força muscular, do movimento, ou do tónus objetivados no exame físico), de etiologia congénita ou adquirida, e como Grupo Controlo crianças/adolescentes do mesmo género e com uma diferença de idades máxima de 12 meses, sem incapacidade motora. Foram excluídas crianças portadoras de dispositivos artificiais de alimentação previamente ao momento da avaliação. Análise estatística: IBM SPSS Statistics versão 23 (nível de significância de 0,05).Resultados: Foram incluídos 21 casos e 21 controlos (sexo feminino 52,4%) com mediana de idades de 7,0 e 8,0 anos, respetivamente. No Grupo Caso, os diagnósticos mais frequentes foram doença neuromuscular (33,3%), paralisia cerebral (23,8%) e doença neurodegenerativa (23,8%). Relativamente ao tipo de alterações motoras, a maioria das crianças apresentava tetraplegia (52,4%), seguida da paraplegia e discinésia (19,0%). As dificuldades alimentares foram identificadas em 66,7% no Grupo Caso comparativamente com 14,3% no Grupo Controlo, verificando-se uma tendência para o aumento da prevalência com o agravamento da incapacidade motora.Foi possível verificar diferença estatisticamente significativa entre os grupos no que respeita à avaliação por terapia da fala (61,9% vs 0,0 %), presença de alterações gastrointestinais (38,1% vs 9,5%), desnutrição (38,9% vs 5,9%) e índice de massa corporal (mediana 16,4 kg/m2 vs 17,6 kg/m2) (p<0,001; p=0,030; p=0,041 e p=0,040, respetivamente). Houve necessidade de alimentação entérica artificial em 61,9% dos casos, contrariamente ao Grupo Controlo em que esta situação nunca se verificou (p<0,001).Discussão: Verificou-se tendência para o aumento da prevalência de dificuldades alimentares, alterações gastrointestinais e desnutrição no grupo com incapacidade motora, com relação com a gravidade. Os dados demonstram a necessidade da sensibilização dos profissionais para a avaliação sistemática destes doentes por equipas multidisciplinares, de forma a identificar precocemente alterações gastrointestinais que possam condicionar a sua qualidade de vida.

Introduction: Feeding difficulties are frequent in children with motor impairment. Although the prevalence is unknown, several studies estimate that half of the children with neurological impairment have feeding difficulties which can decrease their quality of life. The aim of this study is to evaluate the prevalence of feeding difficulties, comorbidities, impact on nutritional status and medical intervention in a group of children and adolescents with motor impairment. Methods: An exploratory, observational and analytical case-control study was performed, using a convenience sample, consisting of patients admitted into the Medical Pediatrics Unit of the Coimbra Hospital and University Center. A questionnaire was completed by a physician (including demographic and clinical data), after the informed consent was signed, between December 2017 and March 2018. The defined Case group included children/adolescent (0 – 17 years old) with motor incapacity (altered muscle strength, movement, or tonus, verified during physical examination), of congenital or acquired etiology, and the Control group included children/adolescents with matching gender and age, without any motor disability. Children with artificial feeding devices prior to the time of the evaluation were excluded. For statistical analysis, the 23th version of IBM SPSS Statistics program was used (significance level 0.05).Results: There were 21 children with motor impairment with a median age of 7.0 years, and 21 controls with a median age of 8.0 (52.4% females). In the Case Group, the most frequent diagnoses were neuromuscular disease (33.3%), cerebral palsy (23.8%) and neurodegenerative disease (23.8%). Regarding the type of motor impairment, most of the children presented tetraplegia (52.4%), followed by paraplegia and dyskinesia (19.0%). Feeding difficulties were reported in 66.7% of the Cases, in contrast with 14.3% of the Control group. Feeding difficulties were more prevalent in children with greater motor impairment.There were statistically significant differences between the groups regarding evaluation by a speech therapist (61.9% vs 0.0%), gastrointestinal problems (38.1% vs 9.5%), undernutrition (38.9% vs 5.9%) and body mass index (median 16.4 kg/m2 vs 17.6 kg/m2) (p<0.001; p=0.030; p=0.041 and p=0.040, respectively). There was a need for artificial enteral feeding in 61.9% of the cases, unlike the Controls in which this situation was never noticed (p<0.001).Discussion: This study demonstrated a tendency for food difficulties, gastrointestinal problems and undernutrition to occur more frequently in the group with motor impairment. The data demonstrates the need of enlightening professionals on the importance of the systematic evaluation of this group of patients, by multidisciplinary teams, in order to identify early gastrointestinal problems that may affect their quality of life.