Educação sensível ao gênero? Uma análise pós-estruturalista da política de educação do Brasil

Abstract

As questões de gênero na política pública de educação nas últimas duas décadas no Brasil (2000-2019) representam a dinâmica das mudanças políticas e sociais do país em um amplo panorama de avanços e retrocessos quanto ao direito à educação como uma política social de combate à desigualdade. No recente contexto de instabilidade política no país, a força discursiva desses processos demonstrou a sua materialização na perda de políticas de gênero e no modo como afetou as práticas educativas no contexto escolar. Se a dimensão do discurso é algo que importa, esta tese se propôs a compreender como uma noção do sensível ao gênero é formulada e operacionalizada discursivamente na política educativa brasileira.A reflexão teórica sobre política pública de educação e gênero se insere na discussão sobre o entendimento crítico dessa relação na invisibilidade da desigualdade de gênero. As estatísticas de acesso com referência a taxas de matrículas de meninas e mulheres em todos os níveis de ensino refletem a igualdade formal. A problematização desta realidade implica na negação do gênero como problemática que importa na política educativa, e como deixa de fora outros assuntos como a classe social e “raça”/etnia. Assim, as perspectivas pós-estruturalista e interseccional são os aportes centrais da tese para a discussão das questões de gênero na política da educação. Carol Bacchi, autora ainda desconhecida das pesquisas no Brasil, tem na proposta problematizadora da política o olhar feminista que a desconstrói como um conjunto programático de “soluções” para “o problema”, se explora, desse modo, a política pública em uma abrangência multinível questionando seus pressupostos e representações discursivas. A pesquisa buscou nos documentos de política nacional e internacional da educação e na participação de docentes e stakeholders demonstrar como o entendimento do gênero é movido e se move como um objeto conceitual concorrente e heterogêneo da política educativa com efeitos concretos para a igualdade ou desigualdade entre mulheres e homens na sociedade.O estudo contribui para o entendimento de que o gênero na política de educação não é meramente um dado, e sim uma forma de governamentalidade das relações sociais e pode servir aos mecanismos neoliberais da política de direita. A conclusão demonstra de maneira crítica os efeitos da atual política educativa do Brasil, que apontam para uma higienização do gênero e “o gênero neutro” como mecanismo simbólico de vigilância e de regulação da masculinidade hegemônica. Outrossim, se afirma que o olhar para proposições pró-igualdade deve atentar para o quê os sujeitos da educação definem e como definem a dimensão do gênero na política pública.

Gender issues in education policy in the last two decades in Brazil (2000-2019) represent the dynamics of political and social changes in the country in a broad panorama of advances and setbacks regarding the right to education as a social policy to reduce inequality. In the context of instability, the discursive force of these processes demonstrated its materialization in the loss of gender policies and in the way it affected educational practices in the school context. If the discourse dimension is something that matters, this thesis aims to understand how a notion of “gender sensitive” is discursively formulated and operationalized in Brazilian educational policy.The theoretical reflection on educational policy and gender is part of the discussion about the critical understanding of this relationship in the invisibility of gender inequality in education. Statistics of access, with reference to enrollment rates for girls and women at all levels of education reflect formal equality. The problematization of this reality implies the denial of gender as a problem that matters in educational policy, and as it leaves out other issues such as social class and “race”/ethnicity. Thus, the post-structuralist and intersectional perspectives are the central contributions of the thesis to the discussion of gender issues in education policy. Carol Bacchi, an author still unknown in Brazil, problematizes policy from a feminist stance that deconstructs it as a programmatic set of "solutions" for "the problem" and, in this way, public policy is explored in a multilevel scope, questioning their presuppositions and discursive representations.Based on national and international education policy documents, and teacher and stakeholder participation. this research sought to demonstrate how the understanding of gender is moved and moves as a concurrent and heterogeneous conceptual object of educational policy with concrete effects for equality or inequality among women and men in society.Hence, this study contributes to the understanding that gender is not merely a given in education policy, but rather a form of governmentality of social relations, and can serve the neoliberal mechanisms of right-wing politics. The conclusion critically demonstrates the effects of current educational policy in Brazil, which point at gender sanitation and "gender neutrality" as a symbolic mechanism of surveillance and regulation of hegemonic masculinity. Furthermore, it states that pro-equality propositions should pay attention to what the subjects of education define and how they define the gender dimension in politics.