Jurisdicionalização da execução penal no Estado de Direito Democrático

Abstract

In the context of the Rule of Law, the jurisdictionalization of execution of the sentence must be viewed beyond the formal presence of the judge and the rules of competent jurisdiction, as a guarantor of the fundamental rights of the inmate, aiming at maximum effectiveness of these rights during the phase mentioned above. The problem contemplated concerns the profile of intervention to be assumed by the Judicial Power in dealing with issues related to serious omissions and deficiencies observed in the execution of the prison sentence in the Portuguese and Brazilian systems, and its trustworthiness to carry out the legal-constitutional plan outlined for the aforementioned phase of jus puniendi. Having overcome a historical period of normative gap, it is necessary to surpassing the majority of doctrinal neglect regarding the execution of the prison sentence. It is necessary to admit the adoption, at this stage, of several institutes of criminal law and of criminal procedural law, which may represent relevant mechanisms available to the jurisdiction in the protection of the rights of the inmate. Moreover, for further research developments, it is salutary that results well defined the existence of a material legal relationship between the convict and the State, which is within the framework of a jurisdictional criminal execution proceeding, designed as an instrument to guarantee the legal and constitutional position of the inmate. It was important to present information on the conditions of detention in Portugal and Brazil, to justify, based on official data, the actuality of the problem around the violation, by the State, of the fundamental rights of the arrestee. From this, it is evidenced the need for a new profile of the Judicial Power in execution, imposing on the judge, in the decision-making process, to become aware and consider the high levels of mismatch between the normative program and the “realities” observed in incarceration. Greater developments regarding the relationship of the execution of the sentence with the Rule of Law, with emphasis on sociality, with the Constitution and with International Human Rights Law are necessary, so that the jurisdiction appropriates the implications contained therein in order to deal with the violations verified – to different degrees – in the prison system in the Portuguese and Brazilian domains. To the difficulties felt in the project of concrete realization of the rights of the inmate must correspond, in the system, a dogmatic guiding the jurisdiction in the solution of the controversies of the execution of the prison sentence. It is imperative to revisit the doctrinal approach of the legal status of the inmate and its imbrications with the principle of sociality, establish, in a more concrete way, the implications of criminal legality in the executive criminal law and insist – with the aim that it does not continue to guide the decision-making judgment of the controversies in question – in repudiating the theory of “special relations of power” between the State and the inmate. The research confronted the aforementioned parameters before the jurisdiction of the Constitutional Courts of Portugal and Brazil, being the option for the aforesaid courts linked to the function that the Constitution grants them in the protection of the fundamental rights of the individual, the legal-constitutional nature – and, therefore, the qualified relevance – of the matters that are affected, as well as the influence that the decisions given there exert on the other courts of competent jurisdiction. It also deserves to be evidenced the leading role of constitutional jurisdiction in countries, such as Brazil, which exhibit structural violation of the rights of the arrestee, a circumstance that endorses a denser jurisdictional intervention in the protection of referred rights. It was observed that, given the sensitive difference of the Portuguese and Brazilian systems regarding the level of nonconformity between the reality of the incarceration and the legal system (in the terms espoused in a specific item), the issues brought to the attention of the Supreme Court also differ. It is lawful to conclude that there are, at the disposal of the criminal jurisdiction, in addition to normative texts, doctrinal developments capable of substantiating the decision-making of strengthening the legal-constitutional status of the inmate, to which it deserves to be added, the disposition acquired for the choice of answers consistent with the public virtues that are consistent with the constitutional system in force, so that the decisions and other actions of the judge in that process represent a firm choice in order to reveal the maximum of humanity and the minimum of desocialization possible in the face of the incarceration circumstances in force.

No Estado de Direito, a jurisdicionalização da execução penal deve ser perspetivada, para além da presença formal do juiz e da previsão de normas de competência, enquanto garante dos direitos fundamentais do recluso, visando a máxima efetivação destes durante a fase satisfativa da persecução. O problema contemplado no presente trabalho diz respeito ao perfil de intervenção a ser assumido pelo Judiciário no enfrentamento de questões relacionadas às graves omissões e deficiências observadas na execução da pena de prisão nos sistemas português e brasileiro, e sua idoneidade para realizar o plano jurídico-constitucional traçado para esta fase do jus puniendi. Vencido um período histórico de lacuna normativa, impõe-se a superação do majoritário descaso doutrinário quanto à execução da pena de prisão. Reafirmada a autonomia do direito penal executivo, cumpre admitir a adoção de diversos institutos de direito penal e de direito processual penal, os quais representam relevantes mecanismos à disposição da jurisdição na tutela dos direitos do recluso. Ademais, é salutar que resulte bem definida a existência de relação jurídica material entre condenado e Estado, a qual se situa no âmbito de um processo de execução penal jurisdicionalizado, concebido como instrumento de garantia da posição jurídico-constitucional do recluso.Revelou-se importante apresentar informações sobre as condições de encarceramento em Portugal e no Brasil, para justificar, com base em dados oficiais, a atualidade da problemática em torno da violação, por parte do Estado, dos direitos do preso. Evidencia-se a necessidade de um novo perfil de atuação do juiz da execução, que deve tomar consciência e levar em conta, quando do processo decisório, os elevados níveis de desajuste entre o programa normativo e as “realidades” observadas no cárcere. Para fazer face ao citado panorama, a pesquisa buscou edificar, nos limites do sistema jurídico-constitucional e de direito internacional vigentes, referencial doutrinário a ser manuseado pelo juiz diante de situações concretas que demandem uma postura mais assertiva no sentido de efetivar os padrões mínimos de humanidade a serem seguidos na execução. Será afirmada a necessidade de alcançar maiores desenvolvimentos no que concerne à relação da execução penal com o Estado de Direito, com realce na socialidade, com a Constituição e com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, para que a jurisdição se aproprie das implicações ali contidas com o fim de fazer face às violações verificadas – em graus diferentes - nos sistemas penitenciários português e brasileiro. Às dificuldades sentidas no projeto de realização concreta dos direitos do recluso deve corresponder, no sistema, uma dogmática a orientar a jurisdição na solução das controvérsias típicas da execução, motivo pelo qual revelou-se imperioso revisitar a abordagem doutrinal do estatuto jurídico do recluso, e suas imbricações com o princípio da socialidade, estabelecer, de forma mais concreta, as consequências da legalidade no direito penal executivo e insistir no repúdio à teoria das “relações especiais de poder” entre o Estado e o recluso. Em seguida, os citados parâmetros foram confrontados perante a jurisdição das Cortes Constitucionais de Portugal e do Brasil, estando a opção pelos citados tribunais ligada à função que a Constituição a eles outorga na tutela dos direitos fundamentais, o cunho jurídico-constitucional – e, portanto, a qualificada relevância - das matérias que lhe são afetas, bem como a influência que as decisões ali proferidas exercem nos demais órgãos jurisdicionais. Merece ficar evidenciado o protagonismo da jurisdição constitucional em países, a exemplo do Brasil, que ostentam estrutural violação aos direitos do preso. Observou-se que, dada a sensível diferença dos sistemas português e brasileiro quanto ao nível de desconformidade entre a realidade do cárcere e o ordenamento jurídico, diferem também as questões levadas ao conhecimento da Corte Suprema. É lícito concluir que existem, ao dispor da jurisdição penal, para além de elaborados textos normativos, desenvolvimentos doutrinais capazes de fundamentar a tomada de decisões de reforço ao estatuto jurídico-constitucional do recluso, aos quais merece ser acrescida, a disposição adquirida para a escolha de respostas condizentes com as virtudes públicas que se coadunam com o sistema constitucional vigente, para que as decisões e demais ações do juiz naquele processo represente uma escolha firme no sentido de revelar o máximo de humanidade e o mínimo de dessocialização possíveis diante das circunstâncias de encarceramento vigentes.