A relevância jurídico-criminal da tentativa diante da dúvida do agente na concretização do resultado: um contributo crítico sobre a problemática definição do elemento volitivo no âmbito do dolo eventual.

Abstract

The present doctoral thesis in Law was developed with the main objective of critically analyzing the legal-criminal relevance of the attempt in the face of the agent's doubt in the realization of the result, emphasizing, however, the problematic definition of the volitional element within the scope of dolus eventualis, given the complex dogmatic labyrinth. In this sense, and especially in the first part of the thesis, every effort was made both to ensure that the structuring of the criminal-juridical dogmatics was properly contextualized as well as to make as clear as possible the rationale for choosing the series of paths pursued until we could effectively present a final conclusion. Briefly stated, what was highlighted as a problem to be faced, in a safe and coherent way, and from the point of view of a dogmatics structured on democratic values - where freedom is the pre-founded rule and the exercise of power punitive contained to the utmost –, was whether a punishment of the attempt with dolus eventualis would be possible. Are, therefore, these dogmatic categories legitimately congruent? Although the Portuguese doctrine and courts, as well as the rest of Europe, for the most part, admit this punishment, the central hypothesis offered in the investigation was that the still existing state of uncertainty either about the limits between the preparatory act and execution, or (and above all) between the dolus eventualis and conscious negligence, should not allow the option of criminal liability under the currently prevailing terms. The conclusion we reached, from an investigation that made use of various methods but fundamentally of analytical, qualitative and comparative approaches, with the support of literature review and database consultation in numerous European courts, was that the mostly accepted understanding today, that is, the punishability of the attempt with dolus eventualis, has been supported more from the perspective of the criminal policy - where decisions of a political nature prevail, and, therefore, a more susceptible field to popular and media pressures with their traditional discourses on impunity and alleged need to intensify punishments - rather than the dogmatic perspective, whose function should be to serve as a barrier to discretion, as an instrument of rationality and containment of punitive power, especially in the face of doubt about the limits of a given conceptual category.

A presente tese de doutoramento em Direito foi desenvolvida com o objetivo principal de analisar criticamente a relevância jurídico-criminal da tentativa diante da dúvida do agente na concretização do resultado, enfatizando-se, entretanto, diante do complexo labirinto dogmático, a problemática definição do elemento volitivo no âmbito do dolo eventual. Nesse sentido, muito especialmente na primeira parte da tese, foram empreendidos todos os esforços para que restasse adequadamente contextualizada a estruturação da dogmática jurídico-criminal, bem como para que se percebesse da maneira mais clara possível a fundamentação para a escolha da série de caminhos trilhados até que nos fosse possível apresentar uma conclusão final. O que se recortou como problemática a ser enfrentada, dito sucintamente, foi se seria possível, de uma maneira segura e coerente, do ponto de vista de uma dogmática estruturada em valores democráticos – onde a liberdade é a regra previamente fundamentada e o exercício do poder punitivo é contido no máximo possível –, uma punição da tentativa com o dolo eventual. Seriam, portanto, essas categorias dogmáticas legitimamente congruentes? Embora a doutrina e os tribunais portugueses, e assim também no restante da Europa, em sua maioria, admitam essa punibilidade, a hipótese central oferecida na investigação foi a de que o estado de incerteza ainda existente, tanto sobre os limites entre o ato preparatório e a execução, como (e sobretudo) entre o dolo eventual e a negligência consciente, não deveria permitir a opção pela responsabilização criminal nos termos atualmente prevalentes. A conclusão a que chegamos, a partir de uma investigação que se utilizou de métodos variados, mas fundamentalmente de abordagens do tipo analítico, qualitativo e comparativo, com o suporte da revisão de literatura e da consulta a banco de dados de inúmeros tribunais europeus, foi a de que o entendimento majoritariamente aceito na atualidade, ou seja, pela punibilidade da tentativa com dolo eventual, tem se sustentado mais na perspectiva da política criminal – onde preponderam as decisões de cunho político, campo, portanto, mais suscetível às pressões populares e midiáticas com seus tradicionais discursos sobre a impunidade e a alegada necessidade de intensificação das punições –, do que propriamente na perspectiva dogmática, cuja função deve ser a de servir como barreira ao arbítrio, como instrumento de racionalidade e de contenção do poder punitivo, muito especialmente diante da dúvida sobre os limites de uma determinada categoria conceitual.