Romance autobiográfico e grotesco na Peregrinação: da antropologia literária às potencialidades didáticas

Abstract

Ironicamente, Fernão Mendes Pinto ao talhar o narrador homónimo subjacente ao texto da Peregrinação – formalmente ora autodiegético, ora homodiegético – estava a construir-se a si mesmo enquanto personagem. É, pois, como personagem gerada pelo produto entre a sua obra e a sua história de vida que Mendes Pinto tem permanecido vivo, rindo da morte. O «pobre de mim», apresentado no texto da Peregrinação, atravessa, por vezes, provações que lembram a descida aos infernos de Dante. Para as transpor é, amiúde, guiado pela Providência divina, que incessantemente louva e evoca. Nos interlúdios da narração e até nas descrições desses momentos de tribulação emergem elementos de humor contrastivamente desconcertantes; e tornam-se percetíveis, nas malhas textuais da Peregrinação, traços próprios da estética do grotesco. Surgem então, no corpo do texto de Fernão Mendes Pinto, imagens que refletem o feio e o vil, ligados ao baixo corporal (Bakhtin, 1970) e à face obscura do ser humano – tanto física, quanto psicológica. Com as implicações inerentes a uma estética de modernidade vitalista e a um regime de comunicação literária determinado pela índole juvenil dos destinatários, idênticos traços descobrem-se na adaptação levada a cabo por Aquilino Ribeiro, em Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (1.ª ed., 1933). Mais do que dar conta das controvérsias genológicas e semântico-pragmáticas em torno da obra mendesiana, pretende-se em Romance autobiográfico e grotesco na Peregrinação – da antropologia literária às potencialidades didáticas, aclarar o estudo das manifestações textuais (temáticas, técnico-compositivas, retórico-estilísticas) do fenómeno grotesco na obra autobiográfica de Mendes Pinto e na sua adaptação por Aquilino Ribeiro, abrindo caminho cumulativamente para uma conceptualização da autobiografia e do grotesco, com seus valores inerentes, na literatura para a infância e juventude.

Ironically, Fernão Mendes Pinto by carving the namesake narrator underlying the text of Peregrination – formally either autodiegetic, or homodiegetic – was also building himself as a character. It is therefore as a character generated by the product between his book and his life story that Mendes Pinto has remained alive, laughing of death. The 'poor me' presented in the text of Peregrination, crosses, sometimes, trials that resemble the descent into hell of Dante. In order to overcome them, Pinto is often guided by Divine Providence, which he incessantly praise and evokes. In the interludes of the narration, and even in the descriptions of these times of tribulation, elements of contrasting and disconcerting humor emerge; and become noticeable in the textual meshes of Peregrination the traits of grotesque aesthetic. Thereby in the body of Fernão Mendes Pinto text come into sight images that reflect the ugly and vile, linked to bodily lower stratum (Bakhtin, 1970) and to the human being's obscure face – both physical, and psychological. With the implications inherent a modern vitalist aesthetic and a regime of literary communication determined by the juvenile nature of the addressees, identical traces can be discovered in the adaptation carried out by Aquilino Ribeiro, titled Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (1st ed., 1933). More than take note of the literary genre and of the semantic-pragmatic controversies that surround the mendesian work, it is intended in Autobiographical novel and grotesque in the Peregrination – from the literary anthropology to the didactic potentialities, to clarify the study of textual demonstrations (such as thematic, compositional-technical topics, or rhetorical-stylistic features) of the grotesque phenomenon in Mendes Pinto autobiographical work and its adaptation by Aquilino Ribeiro, paving the way cumulatively for a conceptualization of autobiography and grotesque, with their inherent values, in the Children and Youth Literature field.