A Construção do Governo Local: colisão de paradigmas, hibridismo e cohabitação

Abstract

Timor-Leste tomou, no período que mediou entre o Referendo de 30 de Agosto de 1999 e a data da proclamação da restauração da independência (20 de Maio de 2002) duas decisões críticas, cujos efeitos se fazem sentir no longo prazo. Por um lado, a reconstrução do Estado, devastado pela política de terra queimada com que a Indonésia respondeu aos resultados do Referendo, deveria ser realizada sob a égide de um processo politico de construção de uma democracia. É certo que já no discurso proferido por José Ramos-Horta na cerimónia de atribuição do Prémio Nobel da Paz (Dezembro de 1996) se anunciava o propósito de integrar Timor-Leste na vaga de democratização que então varria o mundo. Mas as dificuldades colocadas pelo colapso da administração pública no território em Setembro de 1999 representavam um sério entrave à efectivação de tal vontade. De facto, é comum na literatura politica admitir-se que a existência de um aparelho de estado minimamente consolidado é uma pré-condição para o surgimento de uma administração democrática. Juan J. Linz (1997) expressou tal pensamento ao dizer: “Sem estado não pode haver estado de direito, e sem estado de direito não pode haver democracia”. Os Timorenses, porém, apostaram que seriam capazes de combinar os dois processos em simultâneo, ultrapassando as dificuldades que pudessem surgir. Como afirmaram Sonja Grimm e Julia Leininger (2012), nem sempre as coisas boas andam de mãos dadas, e pode surgir uma tensão entre os objectivos e os meios de cada um desses processos – o que se verificou em Timor, como veremos.