O eterno retorno do homem económico: a eficácia da literacia financeira e da numeracia na tomada de decisão

Abstract

A presente dissertação procura fornecer algumas respostas a um conjunto de questões relacionadas com a eficácia da Literacia Financeira (LF) na tomada de decisões financeiras. Recorrente na agenda política internacional, a LF, i.e., a capacidade de os consumidores processarem informação económica e de tomarem decisões informadas, inscreve-se no movimento mais alargado das “Literacias” essenciais para navegar no novo século. Considerada pela Economia uma inoculação essencial para combater a assimetria de informação trazida pela crescente complexidade dos mercados financeiros, vários países implementaram ou estão a implementar estratégias nacionais para melhorar a Literacia Financeira da sua população. Relatos de associações entre a LF e comportamentos financeiros considerados corretos (níveis de poupança elevados, planeamento antecipado da reforma, retorno alto de investimentos) têm favorecido a interpretação que mais e melhores conhecimentos financeiros conduzem a decisões financeiramente ótimas. Contudo, esta racionalidade acrescida proporcionada pela LF não merece o mesmo entusiasmo por parte da Psicologia, que vem reunindo evidência empírica que mostra que as pessoas se afastam do ideal de racionalidade económica. A sua avareza cognitiva leva-as a recorrer as estratégias simples de processamento (heurísticas), que são, por vezes, responsáveis por erros e enviesamentos na decisão. Em consonância com esta ideia, importa esclarecer se a LF desempenha ou não um papel ativo na imunização contra erros e enviesamentos cognitivos. Face a novas evidências sobre a arquitetura dual da mente, baseada em dois tipos de processamento, um mais automático (Tipo 1) e outro mais deliberativo (Tipo 2), outras questões sobre a eficácia da LF são suscitadas. Assim, questiona-se a possibilidade de o processo deliberativo associado à LF poder ser completamente obliterado ou, pelo contrário, automaticamente instanciado em contextos que atrofiam a deliberação (Pressão de Tempo e Carga Cognitiva). A resposta a esta questão é considerada crítica para aferir a eficácia da LF, e logo a relevância para os decisores políticos. A Numeracia, i.e., a capacidade de processar números, probabilidades e frações, tem emergido como outra competência relevante no domínio financeiro e, por esse motivo, mereceu a mesma atenção da nossa parte. Para investigar empiricamente estas hipóteses nesta dissertação, implementámos três experiências que manipulam o acesso e a inibição dos processos deliberativos, contando com a participação de adultos com autonomia financeira e níveis distintos de LF e Numeracia. No seu conjunto, os resultados obtidos suportam uma proficiência distinta para as duas capacidades: enquanto a LF não cumpre as expetativas da racionalidade, a Numeracia é mais benéfica nos vários contextos. Porém, a Numeracia não é sempre eficaz. Quer isto dizer que as condições para a Racionalidade Económica não são satisfeitas com a mera acumulação de Literacia Financeira e Numeracia. Apoiando-se em evidência empírica que expõe a sua eficácia limitada, a presente dissertação recomenda uma interpretação mais cautelosa da LF enquanto opção de política financeira.