História, mito e literatura : a cicatriz da palavra na ficção de Toni Morrison

Abstract

Buscando o seu adequado enquadramento nos quadros históricos e sociológicos que ajudam a perspectivar o perfil de uma cultura minoritária como é a afro-americana, com um passado de escravatura e por isso fundamentalmente diferente de todas as outras minorias nos Estados Unidos da América, a expressão literária deste grupo é abordada a partir da matriz da narrativa de escravos. Nesta matriz se encontra o confronto primeiro entre a história e o mito, a propaganda e a arte, a memória e a ficção; nela se vinca o padrão típico de uma tradição literária fundada numa experiência de opressão que busca a libertação. A obra da escritora afro-americana contemporânea Toni Morrison (The Bluest Eye, Sula, Song of Solomon, Tar Baby Beloved) é, então, analisada neste contexto e a partir do tratamento da imagem da cicatriz, lida na obra como um signo desse passado de opressão, que persiste na memória, mas reelaborado sob diversas formas com que se ensaiam caminhos de libertação, entre eles a libertação através da arte. Daí a cicatriz, que começou como marca no corpo, estar já na palavra, transfigurada esteticamente para dizer o passado mas também construir futuros. A palavra, como veículo de cultura, testada na sua capacidade de dizer a experiência singular dos Afro-Americanos vertida na língua inglesa, passando pela apropriação, pela transmutação e pela subversão de sentidos, num processo simbólico que comenta o complexo processo de aculturação/reinterpretação/sincrestismo vivido entre a cultura inglesa e as culturas originais africanas através da experiência da escravatura.