Usos do Partícipio Passado Duplo no Português Europeu Contemporâneo : Padrões de Variação numa Amostra de População

Abstract

A presente investigação tem como objetivo principal a descrição dos usos do particípio passado duplo no português europeu contemporâneo, nomeadamente no contexto verbal de tempos compostos da voz ativa e, em especial, numa amostra de população escolar. Na verdade, o particípio passado de verbos abundantes revela-se uma área crítica da Língua Portuguesa, gerando dúvida e insegurança nos falantes, facto que confirma o interesse científico-descritivo desta dissertação, assim como a sua relevância nos planos do ensino e da aprendizagem do português. A observação de um conjunto de textos codificatórios e orientadores da prática didática, como gramáticas de “referência” e manuais escolares, revela a falta de consenso relativamente não apenas ao número de verbos considerados abundantes mas também à identificação dos verbos aos quais se reconhecem usos variantes; este facto traduz-se numa legitimação da variação e potencia a permanência de uma situação de flutuação dos usos. Identificado o conjunto de verbos abundantes a pesquisar, analisam-se quatro subcorpora escritos (Recursos Linguísticos para o Português) pertencentes ao Corpus de Referência do Português Contemporâneo do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. O registo de padrões de variação sincrónica nestes corpora de dados autênticos permite uma seleção mais restrita dos verbos a investigar no presente estudo. Sabendo que o processo de aquisição linguística de formas regulares e de formas irregulares é distinto (Paradis, 2004; Ullman, 2004), pretende-se verificar em que medida essa diferença se repercute no modo como as crianças lidam com a concorrência de formas duplas participiais. Assim, face à comprovada variação no input, examina-se o comportamento de 309 crianças e jovens dos 2º, 5º, 7º e 10º anos e averigua-se se existem características dos verbos que propiciem padrões particulares de variação. A análise e o tratamento estatístico dos dados recolhidos junto da amostra de população escolar confirmam que as crianças e os jovens em idade escolar reproduzem a variação participial registada em sujeitos adultos em tempos compostos da voz ativa e que a distribuição das formas concorrentes por falantes de diferentes idades e níveis de escolarização não é uniforme. Para além disso, verifica-se que a crescente escolarização dos sujeitos não tem como consequência um aumento generalizado de ocorrências da forma regular – o que revelaria a progressiva aplicação da regra de distribuição sintática prescrita –, continuando mesmo a haver padrões de significativa variação ao longo do percurso escolar. A investigação é, ainda, complementada com informações sobre o modo como a escola integra a variação linguística nas suas práticas. Pesquisam-se, então, os usos e as atitudes linguísticas dos professores de Língua Portuguesa relativamente às formas duplas participiais, através do lançamento de um inquérito e da realização de uma entrevista. Comprova-se, dessa forma, a atitude de tolerância destes “agentes reguladores” da língua em relação à variação participial. A análise deste conjunto de dados permitiu construir uma tipologia dos padrões de variação participial. Identificando, assim, o conjunto de verbos com maior tendência para usos variantes, é possível reconhecer condições que potenciam este fenómeno de conflito de variantes. A semelhança entre formas participiais de diferentes verbos propicia a analogia. A existência de nomes decorrentes da recategorização de uma das formas participiais pode favorecer a situação de variação. Também se confirmam as hipóteses inicialmente colocadas relativas à relevância da frequência lexical e da conjugação verbal nos padrões de variação encontrados.