Caminhantes da Planície Alentejana: perscrutando práticas funerárias, mobilidade e dieta das populações humanas da região de Beja entre o Calcolítico e a Idade do Ferro.

Abstract

This investigation sought to study the way of life of the human populations that lived and died in the Beja region between the Chalcolithic and the 1st Iron Age, filling a gap in the national bioanthropological and archaeological knowledge and records. Although many necropolises are documented in the Beja region, their characterization is still limited, especially concerning the 1st Iron Age. The unquestionable importance of the archaeological excavations that took place as part of the Alqueva Multi-Purpose Enterprise is reinforced. The present study addresses some of these osteological collections, some of them unpublished. The aim of this investigation is to document funerary practices in detail (identifying some type of differentiation in the burial space), to describe the individual’s diet (noticing whether differentiated access to a certain type of food is detected), and also to access mobility patterns of these human communities (inferring possible differences between local and non-local individuals). To achieve this purpose, a multidisciplinary methodological approach was used combining anthropological, archaeological and biochemical data. Of the 14 archaeological sites analyzed, 300 individuals were exhumed. For the study of isotopic analysis, 156 samples were collected: 72 samples of human bone and 10 of fauna for the diet (δ 13C and δ 15N); 72 samples of tooth enamel and 2 of fauna for mobility (87Sr/86Sr, δ18O). This study enables the following conclusions: • There is a considerable diversity of funerary architecture, practices and rituals within and between chronological periods; • Osteological collections are greatly affected by diverse taphonomic factors such as flora, fauna and anthropic action; • The orientation of the skull is very diverse, especially in collective graves; the preferred burial position is the right lateral decubitus position in all chronological periods; • Regarding the age at death, adult individuals prevail in all chronological periods; when estimating sex, there is a predominance of females in all chronological periods, especially in the Chalcolithic and Bronze Age; • The highest medium tooth wear occurs in the 1st Iron Age (2.6); the highest caries frequencies were detected in the 1st Iron Age (6.8%); the highest percentage of calculus occurs in the Chalcolithic (36.2%); • Stable isotopes for the diet allowed to infer that it is similar throughout the different chronological periods, being essentially terrestrial and based on C3 plants and protein from herbivores that feed on C3 plants. However, over time, especially in the Bronze Age and the 1st Iron Age, there was a significant increase in nitrogen, which suggests the input of protein from low trophic level fish; • Stable isotope mobility analyses identified 21.9% (14/64) of non-local individuals. The majority of these individuals belong to Prehistory (13/32) and a minority to Protohistory (1/32). Of the non-local individuals, there is a greater number of women (8/27) than men (1/24). These data are in line with some studies published for the European Prehistory in which the mobility of women is suggested, mainly due to exogamy. This diachronic approach enabled a better insight into the life and death of these human populations that lived in a specific geographical area, Baixo Alentejo, over a period of approximately 2500 years.

Esta investigação procurou estudar o modo de vida das populações humanas que viveram e morreram na região de Beja entre o Calcolítico e a 1ª Idade do Ferro, com o intuito de preencher uma lacuna existente no conhecimento e registo bioantropológico e arqueológico nacional. Apesar de estarem documentadas muitas necrópoles na região de Beja, a sua caracterização é ainda escassa, sobretudo para a 1ª Idade do Ferro. Reforça-se a importância inquestionável das escavações arqueológicas que decorreram do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva. O presente estudo aborda algumas dessas coleções osteológicas, parte delas inéditas. Os objetivos visam documentar de forma pormenorizada as práticas funerárias (e identificar algum tipo de diferenciação no espaço sepulcral), caracterizar a dieta dos indivíduos (e perceber se se deteta um acesso diferenciado a um tipo de alimento), e também aceder a padrões de mobilidade destas comunidades humanas (e inferir sobre eventuais diferenças entre indivíduos locais e não locais). Para atingir essa finalidade utilizou-se uma abordagem metodológica multidisciplinar ao conjugar dados antropológicos, arqueológicos e de bioquímica. Dos 14 sítios arqueológicos analisados foram exumados 300 indivíduos. Para o estudo das análises isotópicas foram recolhidas 156 amostras: 72 amostras de osso humano e 10 de fauna para a dieta (δ 13C e δ 15N), e 72 amostras de esmalte dentário e 2 de fauna para a mobilidade (87Sr/86Sr, δ18O). Do decurso deste estudo é possível concluir que: • Está presente uma considerável diversidade de arquiteturas, práticas e rituais funerários intra e inter-períodos cronológicos; • As coleções osteológicas estão muito afetadas pelos diversos fatores tafonómicos tais como flora, fauna e ação antrópica; • A orientação do crânio é muito diversa, sobretudo, nos sepulcros coletivos; a posição de inumação preferencial é o decúbito lateral direito em todos os períodos cronológicos; • Na idade à morte predominam os indivíduos adultos em todos os períodos cronológicos; na estimativa do sexo há um predomínio do sexo feminino em todos os períodos cronológicos sobretudo no Calcolítico e na Idade do Bronze; • O desgaste dentário médio é mais elevado na 1ª Idade do Ferro (2,6); as frequências mais elevadas de cárie também foram detetadas para a 1ª Idade do Ferro (6,8%); já o tártaro revela a percentagem mais elevada no Calcolítico (36,2%) • As análises de isótopos estáveis para a dieta permitiram inferir que esta é semelhante ao longo dos diferentes períodos cronológicos, sendo essencialmente terrestre e baseada em plantas C3 e de proteína de herbívoros que se alimentam de plantas C3. No entanto, ao longo do tempo, sobretudo na Idade do Bronze e na 1ª Idade do Ferro, verifica-se um incremento significativo de azoto, o que sugere o input de proteína de peixe de baixo nível trófico. • As análises de isótopos estáveis para a mobilidade permitiram identificar 21,9% (14/64) de indivíduos não locais. Estes pertencem maioritariamente à Pré-história (13/32) quando comparados com a Proto-história (1/32). Dos indivíduos não locais verifica-se um maior número de mulheres (8/27) do que homens (1/24). Estes dados vão ao encontro de alguns estudos publicados para a Pré-história europeia onde é sugerida a mobilidade das mulheres, sobretudo devido à exogamia. Esta abordagem diacrónica, permitiu contribuir para a caracterização da vida e da morte destas populações humanas que viveram numa zona geográfica específica, o Baixo Alentejo, ao longo de um período aproximado de 2500 anos.