Configurações de género nas prisões femininas: permanências, continuidades e variações

Abstract

This dissertation consists of an ethnographic and anthropological research into the permanencies, continuitius and variations of gender configurations in women's prisons, in the Portuguese context. Through a feminist ethnographic revisitation of previous field research and, in particular, the work of Manuela Ivone Cunha, the gender configurations in the prison regimes were comparatively analysed from 1954 to the present day in the Tires Prison (Tires), founded in 1954, and in the Sta. Cruz do Bispo Female Prison (Sta. Cruz), founded in 2005.The ethnographic revisitation that shapes the basis of this dissertation followed a feminist ethnographic drift. In this way, we conducted an experimental feminist ethnography in action, performing various roles as a researcher, both as a volunteer and activist, drifting through different temporalities from inside to the margins of the prison, and engaging with various intersubjectivities, institutions, and organizations entangled in the carceral system.From the feminist ethnographic drift, we formulated the concept of gender carcerality that structured the long-term and interinstitutional analysis regarding the permanencies, continuities, and variations of gender configurations in the prison regimes of Tires and Sta. Cruz. The feminist genealogy of the prison historically situated the gender configurations in the prison regimes, and the prison assistance complex, in the Portuguese context, as well as the continuums of gender carcerality and the heteropatriarchal, colonial and racist status quo still manifest in contemporary Portuguese society. Analysing gender configurations based on the perceptions of professionals in both prisons allowed us to identify permanencies, continuities and variations that show us the gendered prison apparatus in the informal practices of prison regimes. The women and transgender individuals entangled in gender carceral continuums, who are the main interlocutors of this research, through their speech and writings, not only enlighten us about gender carcerality and the reproduction of carcerality but also teach us about resistance and struggle, both within and beyond the walls.This feminist anthropological research, over time and inter-institutional, has highlighted the preponderant role of gender carcerality in the reproduction of carcerality, and is a contribution to a deeper understanding of the carceral–assistential complex and the political, economic and cultural processes that produce it and sustain the white imperialist heteropatriarchy in the governmentality of life.

Esta dissertação consiste numa investigação etnográfica e antropológica sobre as permanências, continuidades e variações das configurações de género nas prisões femininas, no contexto português. Através de uma revisitação etnográfica feminista de investigações de terreno anteriores e, em particular, da de Manuela Ivone Cunha, foram analisadas comparativamente, desde 1954 até à atualidade, as configurações de género nos regimes prisionais em duas prisões femininas: o Estabelecimento Prisional de Tires (Tires), fundado em 1954, e o Estabelecimento Prisional de Sta. Cruz do Bispo feminino (Sta. Cruz), fundado em 2005.A revisitação etnográfica que dá corpo a esta dissertação moveu uma deriva etnográfica feminista. Deste modo, desenvolvemos uma etnografia feminista experimental em ação, através da performance de diferentes papéis da investigadora, enquanto voluntária e ativista, em deriva por diferentes temporalidades, de dentro para as margens da prisão, e em relação com diferentes intersubjetividades, instituições e organizações enredadas no sistema carcerário. A partir da deriva etnográfica feminista formulamos o conceito da carceralidade de género que estruturou a análise ao longo do tempo e interinstitucional das permanências, continuidades e variações das configurações de género nos regimes prisionais em Tires e Sta. Cruz. A genealogia feminista da prisão situou historicamente as configurações de género nos regimes penitenciários, e o complexo assistencial carcerário, no contexto português, bem como os continuuns de carceralidade de género e o status quo heteropatriarcal, colonial e racista, ainda manifesta na sociedade portuguesa contemporânea. A análise das configurações de género a partir das perceções de profissionais, em ambas as prisões, permitiram identificar permanências, continuidades e variações que nos demonstram o dispositivo carcerário de género nas práticas informais dos regimes prisionais. Atualmente as mulheres e transgéneros enredadas nos continuuns carcerários de género, e interlocutoras principais desta investigação, através das suas falas e escritos, ao mesmo tempo que nos elucidam sobre a carceralidade de género e a reprodução da carceralidade, ensinam-nos a resistência e luta, dentro e além muros.Esta investigação antropológica feminista, ao longo do tempo e interinstitucional, evidenciou o papel preponderante da carceralidade de género na reprodução da carceralidade, constituindo um contributo para a compreensão mais aprofundada sobre o complexo assistencial carcerário e os processos políticos, económicos e culturais que o produzem e sustentam o heteropatriarcado imperialista branco na governamentalidade da vida.