Mentalidade afiliativa no acolhimento residencial de jovens: Implementação e estudos de eficácia de um programa de treino da mente compassiva com cuidadores

Abstract

Introdução: A compaixão é uma motivação desenvolvida evolucionariamente para prestar cuidados. Apesar das intervenções baseadas na compaixão apresentarem resultados promissores em diversos contextos de prestação de cuidados, a sua aplicação nas Casas de Acolhimento Residencial (CAR) de crianças e jovens não foi ainda concretizada.Crianças e jovens em acolhimento residencial apresentam necessidades e dificuldades psicológicas complexas. Os profissionais das CAR são agentes ativos no processo de acolhimento destas crianças e jovens, tendo a qualidade das relações que estabelecem com os mesmos vindo a ser reconhecida como um fator fundamental na intervenção. Todavia, trabalhar em CAR pode ser emocionalmente exigente, sendo a incidência de perturbações psicológicas amplamente reportada nestes profissionais, interferindo na qualidade da prestação de cuidados. Esta tese teve como principal objetivo promover uma mentalidade afiliativa no acolhimento residencial de crianças e jovens, através do desenvolvimento, implementação e estudos de eficácia de um programa de Treino da Mente Compassiva para Cuidadores (TMC-C). Metodologia: Esta tese inclui um conjunto de estudos sequenciados: (i) uma revisão sistemática da literatura que pretendeu rever os programas existentes dirigidos a profissionais das CAR, com o objetivo de promover a saúde emocional e mental neste contexto; (ii) dois estudos empíricos que avaliaram as qualidades psicométricas de duas medidas de autorrelato, que avaliam construtos associados ao modelo conceptual da Terapia Focada na Compaixão, adaptadas para adolescentes da comunidade e em CAR; (iii) um estudo empírico que combinou uma abordagem centrada na variável e uma abordagem centrada no indivíduo para investigar o papel das memórias de experiências precoces e das experiências atuais de cuidados e segurança com os outros, em sintomatologia de ansiedade e depressão em adolescentes da comunidade e em CAR; (iv) quatro estudos empíricos que decorreram no âmbito de um ensaio clínico aleatorizado por clusters (CRT) para avaliar a eficácia do TMC-C. Foi ainda investigada a estabilidade dos efeitos do TMC-C, nos cuidadores e jovens, até seis meses após a sua aplicação.O CRT incluiu uma amostra de cuidadores (N = 127) e uma amostra de jovens em CAR (N = 154). Participantes de ambas as amostras responderam a questionários de autorresposta em quatro momentos. Os cuidadores das primeiras três CAR a concluir o TMC-C foram convidados a participar adicionalmente num grupo focal. Os dados quantitativos foram analisados através de uma MANOVA e MANCOVA e os dados qualitativos através de Análise Temática. Resultados: A revisão sistemática da literatura indicou que os programas direcionados para cuidadores para promover a saúde emocional e mental nas CAR são escassos. A maioria direciona-se para o treino de competências dos cuidadores com o intuito de reduzir comportamentos disruptivos dos jovens, e nenhum estudo integrou um ensaio clínico aleatorizado. As duas medidas de autorresposta revelaram-se psicometricamente válidas e os respetivos modelos de medida invariantes por grupos. O estudo transversal reforçou o papel das experiências afiliativas de calor e segurança, passadas e atuais, no funcionamento psicológico dos adolescentes, evidenciando que as experiências atuais de calor e segurança com os outros parecem ter um papel protetor face a sintomas de ansiedade e de depressão em adolescentes em CAR, mesmo quando as memórias desse tipo de experiências durante a infância eram escassas ou inexistentes. Os resultados do CRT indicaram que o TMC-C demonstrou efeitos a nível individual (promoveu a compaixão e a autocompaixão e reduziu sintomatologia de ansiedade, depressão e de burnout dos cuidadores), interpessoal (promoveu maior proximidade e ligação aos outros) e organizacional (aumentou a perceção de um clima emocional mais seguro). As mudanças relatadas pelos cuidadores foram percecionadas pelos jovens residentes nas CAR do grupo de intervenção, com impacto positivo ao nível da proximidade e ligação aos outros e na perceção de um clima emocional seguro e afiliativo. Os ganhos observados no grupo de intervenção foram mantidos 6 meses após o término do programa nos cuidadores, mas não nos jovens.Conclusão: Esta tese disponibiliza conhecimento científico e materiais de avaliação e de intervenção empiricamente validados para o contexto de acolhimento residencial de crianças e jovens. O TMC-C poderá contribuir para a formação das equipas das CAR, facilitando um modelo compreensivo sobre o funcionamento da mente humana, bem como práticas baseadas em evidência. Este programa poderá facilitar a aquisição de estratégias de regulação emocional adaptativas nos cuidadores e contribuir para promover o estabelecimento de relações de proximidade e ambientes seguros para quem vive e trabalha nas CAR. Globalmente, esta tese propõe uma abordagem empírica, compassiva e afiliativa de prestação de cuidados nas CAR.

Introduction: Compassion is an evolved motivation to care. Despite compassion-based interventions have been showing promising results in different care settings, its delivery in Residential Youth Care (RYC) has not yet been investigated.Children and young peolple in RYC have complex needs and psychological difficulties. RYC professionals are active agents in the RYC process, being the quality of the relationships established with children and youth recognized as a key factor for a successful intervention. Nevertheless, working in RYC can be emotionally demanding, being the incidence of psychological problems widely reported in caregivers, which might interfere with the quality of care provided. This thesis aimed to promote an affiliative mentality in RYC, through the development, delivery, and research on the effectiveness of a Compassionate Mind Training program for Caregivers (CMT-Care Homes). Method: This thesis comprises a set of sequenced studies: (i) a systematic review that intended to identify and evaluate existing programs aimed at RYC professionals, targeting the promotion of emotional and mental health in these settings; (ii) two empirical studies that assessed the psychometric properties of two self-report measures, assessing relevant constructs related with the Compassion Focused Therapy framework, adapted for adolescents from the community and RYC settings; (iii) an empirical study that combined variable-centered and person-centered approaches to investigate the role of early and current experiences of warmth and safeness with others over anxiety and depression symptomatology in adolescents from the community and from RYC settings; (iv) four empirical studies conducted within a cluster randomized trial (CRT) to assess the effectiveness of the CMT-Care Homes. The stability of the CMT-Care Homes’ effects on caregivers and youth was also investigated, up to six months after program’s delivery.The CRT included a sample of caregivers (N = 127) and a sample of youth (N = 154) within RYC settings. Participants from both samples answered self-report measures on four timepoints. Caregivers from the first three residential care homes completing the CMT-Care Homes were additionally invited to participate in a focus group. Quantitative data were analyzed using MANOVA and MANCOVA, and qualitative data were analyzed via Thematic Analysis.Results: The systematic review indicated a scarcity of programs for caregivers aimed at promoting the emotional and mental health in RYC. Available programs were mostly focused on caregivers' skills to reduce disruptive behaviors in youth. No study performed a randomized controled trial. The two self-report measures proved to be psychometrically valid and their measurement models were invariant by group. The cross-sectional study reinforced the key role of both early and current affiliative experiences of warmth and safeness in the psychological functioning of adolescents, indicating that current experiences of warmth and safeness with others seem to have a protective role against anxiety and depression symtoms of adolescents living in RYC, even when memories of these kind of experiences during childhood were scarce or absent. The CRT outcomes indicated that the CMT-Care Homes demonstrated an impact at the individual (promoting compassion and self-compassion and reducing symptomatology of anxiety, depression, and burnout on caregivers), interpersonal (promoting increased proximity and connection with others) and organizational (increasing the perception of a safer emotional climate) levels. The changes reported by caregivers were also perceived by youth living in the residential care homes that were interveened, with benefits on social safeness and on the perception of a safer and more affiliative emotional climate. The gains observed in the intervention group were maintained 6 months after program delivery in caregivers, but not in youth.Conclusions: This thesis adds to current knowledge and provides empirically validated assessment and intervention tools for RYC settings. The CMT-Care Homes program could contribute to the training of RYC professionals, facilitating a comprehensive model of the human mind functioning, as well as evidence-based practices. This program could facilitate the development of adaptative emotion regulation strategies to caregivers, and could promote the development of secure relationships and environments for those who live and work in RYC. Overall, this thesis proposes an empirical, compassionate and affiliative approach to care provision in RYC.