Estratigrafia e paleontologia dos calcários cretácicos do dombe grande (sudoeste de Benguela – Angola)

Abstract

A Bacia Sedimentar de Benguela (sub-bacia da Bacia do Kuanza) está situada na orla costeira centro-sul de Angola e consiste numa das grandes unidades tectonosedimentares que caracterizam a margem continental do território, resultantes do rifiting mesozóico que levou à fracturação do paleocontinente Gondwana e às primeiras etapas de abertura do Atlântico Sul, durante o Cretácico Inferior. As Formações Tuenza, Catumbela e Quissonde, bem representadas no onshore, representam uma das principais etapas de enchimento desta bacia, formado numa fase de pós-rift e detumescência térmica, no seio de um contexto transgressivo de rampa carbonatada. No presente estudo foi efetuado um estudo de caso numa destas unidades (Formação Quissonde), no setor do Dombe Grande, o mais meridional do onshore basinal, tendo por objetivo a caracterização local/regional das fácies presentes em contextos mais distais, a par dos cortejos argilosos a elas associados e das associações faunísticas de invertebrados fósseis com importância biostratigráfica e paleoambiental. Assim sendo, procedeu-se ao levantamento de três secções estratigráficas e à recolha de amostras litológicas e paleontológicas. As fácies presentes são exclusivamente de natureza carbonatada e constituem em alternâncias de estratos decimétricos de calcário gresoso, greso-margoso ou margoso, com marga calcária e marga. A frequência e diversidade dos macrofósseis é moderada. Foram recolhidos espécimes dos moluscos bivalves Pinna sp., Inoceramus gr. anglicus Woods, 1911, Veneridae gen. sp. indet. e Pholadomya sp., dos gastrópodes ?Aporrhais sp., Pterocera sp., Tylostoma sp., Ampullina sp., ?Semicassis sp. e Melongenidae gen. sp. indet., dos amonóides Puzosia bistricta (White, 1887), Oxytropidoceras buarquianum (White, 1887) e Douvilleiceras mammillatum aequinodum (Queenstedt, 1849), e dos equinídeos Orthopsis sp. e Hemiaster cf. proclivus Cotteau, Peron & Gauthier 1878. Do ponto de vista biostratigráfico estas últimas espécies caracterizam os biohorizontes H1 e H2 (sensu Tavares et al., 2007) do topo do Albiano inferior e do Albiano médio. Da análise mineralógica das argilas presentes em 42 amostras verifica-se a presença sistemática da associação esmectite-ilite-caulinite, variando as proporções do primeiro destes minerais entre 44 e 97 % com o valores médios de 69 a 72% consoante os perfis. O significado paleoambiental desta dominância tem a ver com condições climáticas subtropicais, caracterizadas por precipitação moderada e pela presença de grande contraste sazonal, durante o Albiano. Por outro lado, está também relacionado com a existência de rochas intrusivas, parte delas básicas, nas áreas limítrofes à bacia. Quanto ao significado paleobiológico da paleofauna estudada e sua articulação com os dados das fácies, esta é indicadora de um ambiente marinho de rampa carbonatada com algum caráter distal, mas ainda situado dentro dos limites da zona fótica, se bem que abaixo do nível de base da ondulação. Os fundos eram macios e oxigenados e o meio francamente aberto a influências oceânicas e à migração por faunas de offshore.

The Benguela Sedimentary Basin (a sub-basin of the Kuanza Basin) is located in the mid-south coast of Angola, where it stands out as one of the main tectonosedimentary units of the continental margin. It was generated as a result of the Mesozoic rifting that initiated the breakup of the Gondwana paleocontinent, followed by the first extensional episodes of South Atlantic opening, during the Early Cretaceous. The Tuenza, Catumbela and Quissonde Formations record one of the main infill stages of this basin, occurred during a post-rift and thermal subsidence interval, within a transgressive context of carbonated ramp. The present work is a case study of one of these units (Quissonde Fm.) centered in the Dombe Grande sector, the southernmost of the modern basin onshore. Its main purposes were to characterize carbonate facies from the local/regional more distal contexts, to analyze the clay mineral associations and their environmental meaning, and to reveal the invertebrate fossil associations with biostratigraphic and paleoecologic importance. The field work was based in three stratigraphic sections, with detailed lithologic and paleontologic sampling. The local facies are carbonate rich and consist of interbedded decimetric strata of sandy, marl-sandy or marly limestones with carbonated marls and marls. The abundance and diversity of macrofossils is moderate. The sampled specimens belong to the bivalve molluscs Pinna sp., Inoceramus gr. anglicus Woods, 1911, Veneridae gen. sp. indet. and Pholadomya sp., to the gastropods ?Aporrhais sp., Pterocera sp., Tylostoma sp., Ampullina sp., ?Semicassis sp. and Melongenidae gen. sp. indet., to the ammonoids Puzosia bistricta (White, 1887), Oxytropidoceras buarquianum (White, 1887) and Douvilleiceras mammillatum aequinodum (Queenstedt, 1849), and to the echinoids Orthopsis sp. and Hemiaster cf. proclivus Cotteau, Peron & Gauthier 1878. From a biostratigraphic point of view, the last of these taxa indicate the H1 and H2 biohorizons of Tavares et al. (2007), which are correlative to the uppermost lower Albian and middle Albian. The clay mineral analysis of 42 samples revealed a continuous presence of the smectite-ilite-caulinite association, with proportions of the first mineral ranging from 44 to 97 %, with mean values of 69 to 72% in the several sections. The paleoenvironmental meaning of this abundance is related with the existence subtropical conditions during the Aptian, together with a moderate rainfall and a significant seasonal contrast. At the same time, the weathering of intrusive, basic rocks in the marginal areas of the sedimentary basin, also represented an additional source for smectite. Finally, the paleobiologic meaning of the studied paleofauna and its articulation with the faciologic data suggest a location in a carbonate ramp marine paleoenvironment, rather distal but yet situated within the photic zone boundary, below the coastal wave base. The local substrates were soft and oxygen rich, and the paleoenvironment was fully opened to oceanic influence and faunal migration from the offshore.