Amor na cidade: imaginários e práticas amorosas no Rio de Janeiro

Abstract

As cidades contemporâneas podem ser observadas como espaços gigantes que se revelam fragmentados, sem apresentar um discurso audível e coerente que ajude os indivíduos a compreenderem como agir num mundo intenso e imenso. Nessa perspectiva, essa tese tem como objetivo compreender como a falta de solidez existente nas metrópoles pós-modernas produz narrativas culturais incapazes de estabelecer vínculos estáveis entre indivíduo e sociedade. Busca-se, nesse sentido, compreender o amor na cidade, percebido enquanto produto da articulação de três elementos – amor, cidade e discursos culturais. Dessa maneira, nota-se que o amor, visto como afeto e, a cidade, entendida como espaço das trocas e da alteridade, são historicamente e culturalmente articulados com o objetivo de colaborar na consolidação da cidadania e da própria vida em sociedade. O excesso de enunciados que circulam por essas metrópoles afeta os corpos individuais através de muitas e incessantes provocações, transformando, dessa maneira, os processos de subjetivação e, produzindo, assim, indivíduos que paulatinamente vão se desvinculando da sociedade. Percebe-se, nesse sentido, o desenlace de um processo de “Destradicionalização” das cidades, que ao reconfigurar seu sentido, transforma a própria maneira de ser e sentir no espaço urbano, possibilitando a emergência de indivíduos excessivamente focados em seus próprios projetos de vida, desobrigados perante imperativos sociais, lei e limites. Dentro dessa perspectiva, pretende-se compreender as camadas de discursos que sustentam tal condição urbana, para, assim, entender os significados do “Amor na cidade” pós-moderna. A opção metodológica pelo paradigma indiciário permite observar que, historicamente, diversas ordens urbanas produziram e difundiram discursos culturais sobre os afetos, com o objetivo de dar aos cidadãos orientações sobre como agir no mundo. Percebe-se, entre a cidade clássica e a moderna, a circulação de enunciados que visavam a disciplinar os corpos e a ensinar a organizar os desejos. Nesse sentido, destaca-se a progressiva emergência do que pode ser nomeado como “domesticidade” enquanto espaço afetivo prioritário, dedicado a guardar ações e hábitos que não deveriam ser expostos na vida pública. Entretanto, a vida doméstica, que incorporava à família e ao casamento o sexo e a própria esperança de vida feliz, tem se apresentado incapaz de satisfazer as pulsões sexuais e de conter os desejos. Dentro dessa perspectiva, identifica-se a sobreposição do indivíduo à cidade, ao passo que esta tem dificuldades de sujeitar o cidadão aos seus discursos. Numa perspectiva histórica, percebeu-se que, na antiguidade clássica, tanto a pólis ateniense quanto a grande Roma imperial circunscrevia os desejos e as aspirações individuais à ordem urbana vigente. Na Idade média, nota-se que a narrativa religiosa cristã disputava com os trovadores da época a verdade sobre que era legítimo e qual seria ilegítimo nos burgos da época. No longo processo de construção da modernidade, emergiram o romance moderno e os manuais de civilidade que colaboravam para fazer os leitores disciplinarem seus corpos circunscrevendo e imbricando a sexualidade ao casamento e a uma certa noção de virtude. Entretanto, nas metrópoles do século XXI, identifica-se a decadência de diversos sistemas culturais tradicionais que participavam de maneira importante da sujeição dos indivíduos a um determinado discurso social. Fato que afeta as próprias subjetividades socialmente produzidas, marcadas pelo excesso de investimento psíquico sobre si mesmo, pouco afeitas à alteridade e à sociabilidade desinteressada. Portanto, nessa tese foi observado que diversas experiências urbanas ao longo da história conectaram o amor e a cidade com o objetivo de viabilizar um determinado ordenamento social. As representações culturais executavam a tarefa de organizar os afetos e, assim, ensinar maneiras de viver em sociedade e de cuidar de si mesmo. No entanto, o aprofundamento da modernidade acabou por fortalecer dois processos determinantes para transformar o “amor na cidade”, a destradicionalização e a individualização. Enquanto a primeira revela os impactos na experiência urbana ocasionados pelos embates entre tradição e inovação que ocorrem cotidianamente; o segundo revela o processo de fortalecimento da individualidade em detrimento da coletividade, tornando cada indivíduo o centro de um mundo social organizado através da interação dele com o mercado. Nessa perspectiva, observa-se que o excesso de enunciados e provocações desorientam os indivíduos que, livres das amarras de sistemas culturais tradicionais, não atingem a autonomia e a liberdade, mas que se recolhem à subjetividade, reificando a cidade, os afetos, as pessoas e a própria vivência social. Nesse sentido, o mercado ascende oferecendo produtos e práticas que ajudam a preencher as lacunas emocionais presente nos sujeitos construídos sob uma nova condição urbana. Contemporary cities can be seen as huge fragmented spaces that do not present an audible and coherent discourse that may help individuals to understand how to behave in an intense and immense world. In this perspective, the purpose of the thesis is to comprehend how the lack of solidity ongoing in post-modern metropolis produces cultural narratives incapable of establishing stable connections between individual and society. In this sense, this thesis aims to understand the love in the city, perceived as a product of the articulation of three elements - love, city and cultural narratives. Thus, it is noticed the love, seen as affection, and the city, seen as a place of exchanges and alterity, are historically and culturally articulated with the objective of collaborating in the consolidation of citizenship and life in society itself. The excess of statements that circulates through these metropolis affects individuals through often and incessant provocations, thus transforming the processes of “subjectification” and therefore creating individuals who are gradually moving away from society. In this sense, a process of “Destraditionalization” of cities outcomes and, by reconfiguring its meaning, transforms the way of being and feeling in the urban space, allowing the emergence of individuals overly focused on their own life projects and released before social imperatives, law and boundaries. In this perspective, this study aims to comprehend the speech´s layers that sustain this urban condition in order to understand the meaning of “love in the post-modern city”. The methodological option for the genelogical approach of Michel Foucault allows us to observe that many urban orders have historically generated and disseminated cultural discourses about affections in order to give citizens guidelines on how to behave in the world. On both classical and modern city, one can see a circulation of statements that aim to discipline the bodies and teach them to organize the desires. Therefore, this thesis remarks that different urban experiences through history connected love and city in order to enable a given social order. Cultural representations performed a task of organizing affections, thereby teaching ways of living in society and caring for oneself. However, the deepening of modernity ended up strengthening two decisive processes for transforming “love in the city”, “destraditionalization” and individualization. While the first reveals the impact on urban experience caused by daily struggle between tradition and innovation, the second reveals a process of individuality strengthening to the detriment of collectivity, making each individual the center of an organized social world through his interaction with the market. Keywords: City; culture; urbanity; domesticity; society