A caminho de uma espiritualidade laica : ciência, filosofia e teologia no Orto do Esposo (tensões histórico-filosóficas e semânticas)

Abstract

A partir do estudo da obra portuguesa Orto do Esposo pretende-se deixar um contributo no âmbito da Filosofia em Portugal no século XV, período ainda pouco estudado neste domínio, mas considerado relevante para o aprofundamento da relação entre a filosofia e a progressiva complexificação do pensamento em vernáculo. Se o nosso ponto de partida é a análise de uma obra quatrocentista quase descurada pela filosofia, recorrendo ao auxílio da semântica e de alguns nós lexicais importantes para entrada interpretativa na obra, o cais de chegada será a proposta de constituição futura de um léxico filosófico do português medieval que integre e valorize a prosa didáctica e moralizante produzida em ambiente áulico e / ou destinada a laicos. Um instrumento desta natureza parece-nos essencial para o enriquecimento do capítulo da história das ideias e do sentimento religioso entre nós, no lapso temporal de Quatrocentos, assim como para a superação de algumas reservas no tratamento histórico-filosófico dos primeiros textos reflexivos em língua portuguesa. Em consonância com esta abordagem da filosofia e da língua, tentaremos ainda trazer para o contexto português uma relação tricotómica entre filosofia, língua vulgar e público laico, que anuncia desafios e novos horizontes à disciplina filosófica e introduz um protagonista fundamental no nosso panorama quatrocentista. Seja na qualidade de destinatário, seja na qualidade de criador e mecenas de obras de natureza ética, moral e política, o homem culto, laico e de extracção social elevada irradia de outras cores a literatura ascética e filosófica deste período e traz à filosofia novos leitores e multifacetadas fontes de problematização. Veremos que, a par com os simples de coração, o rei e o príncipe procuram em textos teológico-filosóficos como o Orto do Esposo modelos de conduta e possibilidades de redenção, para que a entrada no outro mundo se faça pela porta da celestial virtude.