Saber fazer saber APAC: a metodologia apaqueana na perspectiva de um tratado internacional de direitos humanos

Abstract

O estado de coisas inconstitucional julgado em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal em 04 de outubro de 2023, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 347, sobre o ambiente carcerário brasileiro, tem intrínseca relação com a violação massiva dos direitos fundamentais do cidadão recluso e a inércia estatal para dar efetiva garantia e proteção internacional a este grupo de pessoas vulneráveis. Esgotados os recursos internos e constatada a falha no controle de constitucionalidade entra em cena subsidiariamente o controle de convencionalidade através do Direito Internacional. Revelou-se pertinente investigar a conveniência de ser criado um tratado internacional multilateral de Direitos Humanos a ser celebrado entre os Estados signatários e as Organizações Internacionais sobre o tema, tal iniciativa poderá trazer segurança jurídica internacional à metodologia e condições ideais para sua expansão e aplicação plena no Direito interno dos Estados signatários, sejam quais forem seus regimes constitucionais democráticos. A metodologia apaqueana tratou de desenvolver, com sabedoria e expertise, uma salutar inversão de uma subcultura social carcerária nociva, improdutiva e dessocializadora, a outra, calcada na dignidade humana e respeito intransigente aos direitos fundamentais do recluso, que procura conciliar a exigência de retribuição jurídica da pena com os fins de prevenção geral positiva, mas sobretudo privilegiando seu caráter preventivo especial positivo, no cumprimento de uma pena justa, proporcional ao injusto culpável. No plano internacional se difunde, mas encontra dificuldades de ser harmonizada com o ordenamento jurídico interno de cada país e poderá levar, como no caso brasileiro, décadas para sua efetiva consolidação, inobstante ao seu reconhecimento, pelo Estado brasileiro, como política pública penitenciária complementar. A metodologia é utilizada internacionalmente atualmente como soft law e possui potencial para, posteriormente, se transformar em uma regra juridicamente vinculativa, ou seja, hard law. Tal opção nos revela ser um paradoxo ante os próprios ensinamentos que elucidam ser necessária a aplicação conjunta dos atuais 12 elementos fundamentais do método APAC para que ele seja eficaz. Assim agindo corre-se o risco de infirmar a essência da metodologia e trazer efeitos nefastos em sua aplicação, como já sucedeu no Brasil, no Estado de São Paulo. Um dos objetos desse estudo foi a metodologia apaqueana em si, e não os presídios, portanto, percebe-se que, ainda que ela esteja sujeita a aperfeiçoamentos se mantém íntegra, uniforme e fiel aos seus fins, o que a leva a um índice atual de reincidência médio de 13,9%. A pesquisa empírica em anexo demonstra, ainda, que seus idealizadores aprenderam quão poderosa é a força afetiva da humanidade e substituíram o jugo da força policial estatal por ela, aplicando-a pragmaticamente no cárcere num sentido ascendente, com atuação primorosa de cuidadores de seres humanos, no exercício legítimo da democracia direta. Esse aprendizado não é tarefa simples, mas é essencial para a sua eficácia. Entenderam que a chave do sucesso para a reintegração social do recluso e a prevenção de novos delitos passa, necessariamente, pela reeducação afetiva destes e de toda a sociedade. Isso revela ao mundo jurídico o valor do princípio da afetividade na execução penal e como ele deve ser aplicado, valendo-se dos novos contornos dados pelo tratamento digno previsto no Direito Internacional dos Direitos Humanos. Neste sentido, e com o emprego da metodologia, o bem jurídico a ser protegido na execução penal passa a ser também o sentimento afetivo da coletividade para com os reclusos e vice-versa. Os Estados sabem, teoricamente, o que precisa ser feito para humanizar o cárcere, mas não sabem como o fazer pragmaticamente, portanto, tentam impor políticas públicas penitenciárias verticalizadas em sentido descendente, fazendo uso de força policial penitenciária, com altos custos prisionais per capita, que apresentam resultados pífios. Se o Estado está impossibilitado de fazê-lo, essa tese de doutoramento contribui de modo fundamental à demonstração de que os atores sociais civis envolvidos com a metodologia apaqueana revelam estar extremamente capacitados para tal desiderato com domínio do saber fazer saber para que o recluso, querendo, participe de sua própria ressocialização, como sujeito da execução. Logo, estão aptos a expandi-la internacionalmente sob a responsabilidade e expertise da FBAC, utilizando, em tese, de seu status consultivo junto às OIs, mediante acordo específico com esse propósito o que aponta a sua relevância e pertinência para elucidar os princípios e estabelecer condições que devem estar presentes na indução de um novo paradigma para a humanização do encarceramento, através de um futuro tratado internacional de Direitos Humanos.

The unconstitutional state of affairs definitively adjudicated by the Supreme Federal Court on October 4, 2023, in the Fundamental Precept Non-Compliance Action (ADPF) No. 347, regarding the Brazilian prison environment, is intrinsically related to the massive violation of the fundamental rights of incarcerated citizens and the state's inertia in providing effective guarantee and international protection to this vulnerable group. Exhausted domestic remedies and the failure in constitutional control bring into play, subsidiarily, the control of conventionality through International Law. It became pertinent to investigate the convenience of creating a multilateral international Human Rights treaty to be celebrated between the signatory States and International Organizations on the subject. Such an initiative could bring international legal security to the methodology and ideal conditions for its expansion and full application in the domestic law of the signatory States, regardless of their democratic constitutional regimes. The APAC methodology has wisely and expertly developed a healthy inversion from a harmful, unproductive, and desocializing prison subculture to one based on human dignity and unwavering respect for the fundamental rights of the incarcerated. It aims to reconcile the demand for legal retribution of the penalty with the goals of positive general prevention, but above all, it prioritizes its special positive preventive character, ensuring the execution of a fair penalty proportional to the culpable injustice. Internationally, it is disseminated, but faces difficulties in harmonizing with the internal legal systems of each country and may take, as in the Brazilian case, decades for its effective consolidation, despite its recognition by the Brazilian State as a complementary public penitentiary policy. The methodology is currently used internationally as soft law and has the potential to later transform into a legally binding rule, i.e., hard law. This option reveals a paradox in the lessons that elucidate the necessity of the joint application of the current 12 fundamental elements of the APAC method for it to be effective. Acting this way risks undermining the essence of the methodology and bringing harmful effects in its application, as has already happened in Brazil, in the State of São Paulo. One of the objects of this study was the APAC methodology itself, and not the prisons; therefore, it is clear that, although it is subject to improvements, it remains intact, uniform, and faithful to its purposes, leading to a current average recidivism rate of 13.9%. The attached empirical research also demonstrates that its idealizers have learned how powerful the affective force of humanity is and replaced the police force with it, pragmatically applying it in prisons in an ascending manner, with the excellent performance of human caregivers in the legitimate exercise of direct democracy. This learning is not a simple task but is essential for its effectiveness. They understood that the key to the social reintegration of the incarcerated and the prevention of new crimes necessarily involves the affective reeducation of these individuals and the entire society. This reveals to the legal world the value of the principle of affectivity in criminal enforcement and how it should be applied, using the new contours given by the dignified treatment provided for in International Human Rights Law. In this sense, and with the use of the methodology, the legal interest to be protected in criminal enforcement also becomes the collective's affective sentiment towards the incarcerated and vice versa. States theoretically know what needs to be done to humanize prisons but do not know how to pragmatically do so, therefore, they attempt to impose top-down penitentiary public policies, using penitentiary police force, with high per capita prison costs, which yield poor results. If the State is unable to do so, this doctoral dissertation fundamentally contributes to demonstrating that the civil social actors involved with the APAC methodology are extremely capable of this task, mastering the know-how to enable the incarcerated, if willing, to participate in their own resocialization as subjects of the enforcement. Therefore, they are apt to expand it internationally under the responsibility and expertise of FBAC, using, in theory, its consultative status with IOs, through a specific agreement for this purpose, which points to its relevance and pertinence to elucidate the principles and establish conditions that must be present in inducing a new paradigm for the humanization of incarceration through a future international Human Rights treaty.