Fazer por ver: a invisibilidade nas práticas artísticas contemporâneas

Abstract

Este trabalho, de natureza teórico-prática, propõe-se analisar a forma como a invisibilidade tem vindo a ser abordada por teóricos, investigadores, curadores e artistas. Partindo dessa análise, procuramos não só entender de que modo este fenómeno tem vindo a ser interpretado no pensamento e nas práticas artísticas, mas também contribuir para uma compreensão do que tem vindo a caracterizar esse discurso e como ele tem sido instituído, nos domínios da retórica e da prática. Daí o título “Fazer por ver: a invisibilidade nas práticas artísticas contemporâneas”, que pretende cruzar um conjunto de abordagens e perspetivas de diferentes autores, no campo das Artes Plásticas e também com o contributo da Filosofia, apresentando um olhar plural sobre as relações entre corpo e mundo, ver e não ver, limitações e constrangimentos que se impõem sobre a visão e sobre outros modos de experienciar a arte. A construção do saber e a reflexão aqui desenvolvidas sobre a invisibilidade seguem um percurso que integra, numa primeira parte, um quadro teórico neste campo de conhecimento, e na segunda parte a componente empírica, onde apresentamos uma análise da forma como os artistas têm lidado com este conceito, debruçando-se sobre: i) um olhar crítico sobre o fazer artístico, e o modo como as Artes podem fazer face à proliferação de imagens que o espectador não só consome como também produz; ii) as propostas artísticas que desde a década de 1960 recorrem à invisibilidade como possibilidade de resistência ou recusa das condições de visibilidade; iii) as propostas e perspetivas de artistas e teóricos e, por último, iv) as conclusões sobre o questionamento do sentido e dos modos de produção e receção da arte, o caráter aporético da desmaterialização da arte, e a procura de outras formas de questionar a objetualidade e a centralidade da visão na experiência percetiva sem prescindir da fisicalidade do trabalho artístico. Adotamos o paradigma qualitativo e o método de estudo de caso focalizado nas práticas artísticas, enfatizando uma conceção de construção do conhecimento científico centrado nas pessoas, não se tratando de provar teorias ou hipóteses, mas de gerar, interpretar ou compreender a invisibilidade, numa interação participativa, com recurso a um desenho da investigação flexível e a entrevistas semi-estruturadas, incorporando descobertas que não tinham sido previstas. Identificamos diferentes perspetivas e abordagens à questão da invisibilidade, e concluímos que, entre propostas mais ou menos extremadas, esta tem vindo a ocupar um território de fronteira, entre materialidade e imaterialidade, tangibilidade e intangibilidade, visualidade e invisualidade, percetibilidade e impercetibilidade, presença e ausência – do corpo, ou do que dele resta na arte contemporânea. Estes desdobramentos são entendidos como meios a que as práticas artísticas têm estrategicamente recorrido para se distinguirem de outras imagens, confrontando o olhar do espectador com uma nebulosidade ou indiscernibilidade que envolve aquilo que se pode ver, no espectro do visível e para além dele. Consideramos que para compreender a natureza do fenómeno da invisibilidade da arte contemporânea é necessário estar consciente de que é nesse lugar instável, entre visível e invisível, que se situa um conjunto relevante de propostas, a que este estudo se dedica. Trabalhos de diferentes autores, concebidos ao longo dos últimos cinquenta anos (entre 1968 e 2018), que se apresentam sob a forma de uma constelação afetiva, a partir da qual construímos uma reflexão sobre e através da própria prática artística.

This work, of a theoretical-practical nature, proposes to examine the way in which invisibility has been approached by theorists, researchers, curators and artists. Based on this analysis, we seek not only to comprehend how this phenomenon has been interpreted in thought and artistic practices, but also to contribute to an understanding of what has distinguished this discourse and how it has been appointed in the fields of rhetoric and practice. Hence the title “Making visible: invisibility in contemporary artistic practices”, which aims to cross a set of approaches and perspectives from different authors, in the field of Visual Arts and also with the contribution of Philosophy, presenting a plural look at the relationships between the body and the world, seeing and not seeing, limitations and constraints that are imposed on vision and other ways of experiencing art. The construction of knowledge and the reflection developed here about invisibility follow a path that integrates, in the first stage, a theoretical framework in this territory of knowledge, and in the second part the empirical component, where we present an analysis of the way in which artists have dealt with this concept, focusing on: i) a critical study at artistic practice, and the way the Arts can cope with the proliferation of images that the viewer not only consumes but also produces; ii) artistic proposals that, since the 1960s, resort to invisibility as a possibility of resistance or refusal of visibility conditions; iii) the proposals and perspectives of artists and theorists and, finally, iv) the conclusions about the questioning of the meaning and manners of production and reception of art, the aporetic character of the dematerialisation of art, and the search for other ways of questioning the objectivity and the centrality of vision in the perceptual experience without disregarding the physicality of the artistic work. We adopted the qualitative paradigm and the case study method focused on artistic practices, emphasising a conception of construction of scientific knowledge focussed on people, not trying to prove theories or hypotheses, but to generate, interpret or comprehend invisibility, in a participatory interaction, using a flexible research program and semi-structured interviews, incorporating findings that had not been foreseen. We identified different perspectives and approaches to the question of invisibility, and concluded that, among more or less extreme proposals, this has been occupying a frontier territory, between materiality and immateriality, tangibility and intangibility, visuality and invisibility, perceptibility and imperceptibility, presence and absence – of the body, or of what remains of it in contemporary art. These developments are understood as means to which artistic practices have strategically resorted to distinguish themselves from other images, confronting the viewer's gaze with a cloudiness or indiscernibility that involves what can be seen, in the spectrum of the visible and beyond. We believe that in order to understand the nature of the phenomenon of invisibility in contemporary art, it is necessary to be aware that it is in this unstable position, between visible and invisible, that a relevant set of proposals is located, to which this study is dedicated. Works by different authors, created over the last fifty years (between 1968 and 2018), which are presented in the form of an affective constellation, from which we build a reflection on and through artistic practice itself.